quarta-feira, 22 de junho de 2011

A estudante de Letras



   D
epois daquela informação que me pedira passamos a travar um tímido diálogo cortado e bordado de silêncios freqüentes, dentro do ônibus.

            Em seus óculos brilhavam três letras que pareciam ser suas iniciais grafadas. Ela pensava letras, falava letras, engolia as que não queria dizer e ruminava as letras aproveitáveis... Após curto tempo de longa curiosidade lhe disse:
– Vejo que você é estudante...
– É, sou. (Quatro letras apenas: estava economizando)
– O que cursas?
– Letras...
            E daí não se agüentou mais, começou a falar do curso de letras, das letras do curso de letras, das letras que sabia e das letras que ainda aprendia, das letras faladas e das letras já mortas, tudo eram letras!
            Seus óculos refletiam as letras dos outdoors na estrada. Sua blusa branca tinha um arranjo de várias letras ora dizendo algo incompreensível, ora simplesmente dizendo nada e tudo ao mesmo tempo. Seu cérebro de instante em instante organizava as letras pronunciadas e as que se pronunciariam. Perguntou-me o curso que pretendia, percebia por meu fardamento escolar que fazia o último ano do ensino médio. Nossa farda era preta com as cores do colégio, o nome de nossa área pretendida e um número 3, indicando o terceiro ano. Respondi-lhe: “Direito”. Ela olhou-me longamente enquanto as sete letras da magistral palavra D-I-R-E-I-T-O lhe perpassaram a mente. Fez-se silêncio. Daí ela me disse:
– Um bom curso... Ótimo, aliás! ..., mas por que não letras?
            Senti-me tão enfeitiçado por aquelas letras que me perguntei lá no fundo: “É, por que não?”
            – Não! Respondi com a força do instinto atiçado pela razão, repentinamente... Quase que ela caía da cadeira do susto que tomara.
            – Por quê? Perguntou-me.
            – Direito tem sete letras e...
            – Letras..., tem apenas seis. Disse-me cabisbaixa como que vencida pelas próprias letras.
Cá pra nós, havia várias razões para escolher o Direito a letras, meu próprio sonho, por exemplo, etc. etc. etc., todavia o que não havia era outra forma de vencer aquela louca a não ser por aquilo que ela mais gostava: as letras. Pouco mais tarde, já na Faculdade de Direito do Recife, aprendi que o melhor modo de argumentar era do modo que mais tocasse o ouvinte... Lembrei-me daquela ocasião e da estudante de letras. Senti-me orgulhoso. Foi minha primeira vitória no discurso. Vencera por meio das letras a estudante de letras!
Mario Santos, Nov. 2009 – Jan. 2011.

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