quinta-feira, 2 de junho de 2011

Lembranças da infância


“Era um prazer febril que ele sentia; esqueceu-se de tudo, pulou, saltou, gritou, rezou, cantou, e só não fez daquilo o que não estava em suas forças”
Manuel Antônio de Almeida, “Memórias de um sargento de milícias”.

  A
h, como belos eram os tempos da infância! Tempos em que brincávamos nas ruas noite afora, tempos em que nos escondíamos das mães aflitas nas horas de dormir, tempos em que nos exercitávamos no pega-pega ou no pique-esconde, no pega-macaco ou no pega-congelou, que pulávamos amarelinha altas horas até chegar ao céu! Triste saber o quanto já se foram tais tempos, hoje tão imemoriais quanto caretas para muitos desmiolados! Hoje as coisas são outras, muito mudadas, as crianças já crescem consumistas, isto é, chatas...
            O século XXI é o do império da tecnologia e seus avanços indeléveis. Avanços que trazem comodidade, que trazem conformidade, comodismo, preguiça, banhas e banhas nas barrigas, isto é que é verdade! Hoje em dia as crianças passam horas frente à TV assistindo os desenhos animados que avassalam todas as horas da manhã; depois passam a tarde inteira frente ao computador jogando mil e um jogos na net; depois comem alguma coisa bastante gordurosa e voltam para o computador até que seus pais, de orelha em pé, lhes tirem de lá a força, daí voltam para a TV para assistir um filme, e assim vai... Crescem gordas, chatas, com problemas oculares, sedentárias e terríveis para os bolsos de seus pais! Ahff! Mudemos de assunto, afinal esse status quo ridículo não é assunto desta crônica!
            Durante ainda a década de noventa as coisas de fato eram melhores, ou seja, mais produtivas. Lembro-me sempre que geralmente junto com meus primos e colegas brincávamos de pique-esconde, à tarde. Subíamos e descíamos todos os lugares possíveis, achávamos e bolávamos toda sorte de esconderijos, era muita ação! Péssimo ali, era ser o conta, isto é, o infeliz que nos tinha de achar! Éramos mafiosos, sórdidos, truculentos... Eu mesmo já havia aprendido a ser assim desde quando era café-com-leite – para aqueles que não viveram esta época e nunca saíram de frente do computador quando queriam brincar, vou traduzir a expressão muito simples acima dita: intitulava-se “café-com-leite” qualquer moleque que tivesse menos de seis anos, quisesse brincar, mas não soubesse contar, inventar com facilidade, ou mesmo ser ardiloso, esse guri, era protegido pela maioria, por isso nunca chegava a ser o conta ou pega, bom pra ele! Na época em que passei como café-com-leite aprendi muita coisa! Há, há, há! Aprendi a ser bom, muito bom na coisa, isto é, mau para o conta! Meus primos nem imaginavam que, como todo bom pupilo, viria a ser melhor que eles, os mestres. Sabia todas as suas tramóias, aprendi a pensar como eles, desenvolver um raciocínio rápido, aprendi a me esconder! 
            Entre nossas tramóias estavam: a) trocar de camisa para confundir o pega, ou conta, na hora em que nos ia bater, isto é, achar. Assim, por exemplo, ele via de longe alguém se esgueirando num esconderijo com minha camisa, daí gritava: “Batida, Mario!”, e aí era uma zona! Saíamos todos de onde estávamos gritando esbaforidos: “Errou, bobo, errou, pecado grave!”, “Julgou pela aparência, há, há, há!”, daí eu aparecia com a camisa do colega, e ele com a minha! Era ótima a sensação de enganar o pobre diabo que tinha que contar de novo! b) junto com a tramóia da troca de camisas estava a da isca, isto é, um colega ficava à vista do conta, mas de costas e coma cabeça baixa, por ele não confiar mais nas roupas, chegava bem perto para saber quem era, e daí do outro lado alguém corria o mais rápido que podia, geralmente eu, e batia na mancha (o lugar onde o pega contava de olhos fechados até 31 enquanto nos escondíamos), daí gritava vitorioso: “Batida! Todos salvos!” e o pobre diabo tinha que contar de novo! c) ainda havia outra, de mil artimanhas: o tour! Consistia em fazer com que o conta desistisse de nos procurar por não nos achar de modo algum. Na verdade essa era uma vingança que gostávamos muito de praticar com crianças chatas ou rivais. Lembro-me de ter feito isto junto com meus primos e colegas certa vez com um carinha da escola que estava me enchendo! Muito irônico e falso lhe chamei para brincar conosco à tarde, fiz uma propaganda atraente repleta de argumentos irrecusáveis: “Todos vão estar lá. O Diego, o Felipe, o João, todo mundo. Eles estavam querendo saber se tu és homem mesmo ou se tens medo da coisa!” Isso bastava, o guri enchia o peito e dizia: “Estarei lá.” Daí era uma gozação, todos chagávamos antes dele e, quando ele chegava tinha de ser o conta por ser o último; enquanto ele contava, íamos embora para a casa de um de nossos primos que ficava na rua do outro lado da que morávamos, jogar baralho ou damas e o pobre gastava toda a sua tarde nos procurando, daí se cansava e ia chorando pra casa! Tempos bons!
            Bom mesmo era a sensação de correr o mais que se podia para se esconder do conta que já estava ali atrás, correndo, tentando nos achar. O vento nas fuças, o peito agitado, o coração batendo freneticamente, o suor escorrendo, a vontade de fazer xixi e ter que prender: “Agüenta, Mario, agüenta, não vai nos entregar aqui, hein!”, tudo aquilo era ótimo, menos o xixi, claro! Virávamos a tarde. Quando mamãe me chamava, a maioria das mães também chamavam os guris, baita tristeza, “já tá na hora de entrar?!”. Voltávamos suados, terríveis, para casa, muitas vezes abraçados e brincando. Uma certeza nos unia a mente: no outro dia, após a escola e o dever de casa, tinha mais!
            Lembranças boas essas, de uma infância que se passou, ficou na memória.     

Mario Filipe dos Santos, Abril de 2011

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